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sábado, 22 de março de 2014

O que se diz a um menino.







Já em mil novecentos e vinte; devia-se pensar no que falar a um menino. O que se diz a um adolescente pode mudar mais de um destino.
 Foi assim que ocorreu com o fazendeiro Inácio. Homem trabalhador e de grande sabedoria. Pois ao proferir uma simples frase não imaginou que conseqüências ela traria.
Seu Inácio tinha uma fazenda de médio porte. Dono de invejável saúde considerava-se um homem de muita sorte. Bem casado com sua esposa; dona Margarida. Vivia feliz e estava sempre de bem com a vida.
Para a época até que ele era um homem extrovertido. Contrariava a regra de que para ser honesto tinha que ser sisudo.
Seguia feliz, com a mulher e suas dez filhas. Que para ele eram bem mais que tudo!
Às vezes, porém sentia-se incompleto por não ter um filho homem, para dar continuidade ao seu nome. Mas logo se conformava
Teria netos apesar de que não levariam o seu sobrenome.
Sabia que Deus escreve certo através de linhas tortas. E que a verdade aparece sorrindo ou chorando, em nossas portas!

01
 
E foi exatamente assim que aconteceu. Quando na porteira de sua fazenda um menino apareceu. Tratava-se do menino Virgílio. O mais jovem caixeiro viajante. Nunca vira um negro assim tão negro. Nem um menino tão falante. Tão logo chegou foi se apresentando. Disse quem era e que vinha. Afirmou ser um lavrador, sem terras. Virava-se com o que tinha.
Enquanto falava abria as suas mochilas. Que estavam no lombo de seu velho pangaré. Disse: - Fazendeiro não se assuste; cada um é aquilo que é!
Não foi uma frase muito sábia, porém enorme foi o efeito que causou.
Inácio que não era nenhum burro compreendeu. Por isso; a esposa e filhas ele chamou.
As moças ficaram abismadas. Como cabiam tantas coisas em algumas mochilas e sacolas. Ali havia de tudo um pouco, desde perfumes até pequenos brinquedos e algumas bolas!
Dona Margarida que estava precisando de agulhas e linha pediu ao menino que lhe mostrasse o que tinha.
Já Esmeralda a terceira filha; queria algumas revistas para ler. Virgilio respondeu que não tinha, pois ninguém as pedia. Mas que no próximo mês iria trazer.
Prometeu e assim o fez. Trouxe uma enorme pilha de revistas no outro mês!
Um a um todos daquela família se afeiçoaram ao tão expansivo menino.
Esmeralda se esbaldava com as histórias que ele contava. Dizia ele serem todas verdadeiras. Mas a grande maioria ele inventava.
Falava sobre como enfrentara supostos salteadores. Sobre as donzelas que por ele suspiravam de amores. Sobre fantasmas que ele encontrava nos caminhos. Sobre colher as flores sem espetar-se nos espinhos.
De vez em quando ele declamava alguma poesia que dizia ser de sua autoria. Esmeralda aplaudia. Apreciava sua companhia!
Até o dia em que o senhor Inácio disse. Sério, porém em tom de brincadeira:- Vejo que gosta de minha filha; toda esta prosa não é à toa. Nunca se cansa de falar?
Quando puder sustentar família poderá com ela se casar.
Foi esta a frase que deu sentido a esta história. Virgílio saiu puxando seu cavalo com ela tatuada na memória.
Tinha dezessete anos e algumas economias. Continuou economizando, e a seus clientes (fregueses) visitando.
Virgílio passou a ver a vida como uma coisa muito boa. Naquela fazenda de doze moradores ele só via uma pessoa. 
Sabia que quem deseja uma boa colheita a terra lavra. Quando via seu Inácio tirava o chapéu e dizia: - Eis aí um homem de palavra!
O pai de Esmeralda não entendia por que aquela frase a todo instante.

02
 
Esquecera-se de sua promessa. Quem não esqueceu foi o menino falante!
Esmeralda; a jóia de Virgílio era a maior força de trabalho daquela pequena fazenda. Manejava como ninguém a enxada; representava uma grande fonte de renda.
Haviam se passados quatro anos desde a primeira visita do jovem caixeiro. Era uma manhã de verão e Itatiba resplandecia. Foi naquela linda manhã que, com a alma cheia de esperança. O auspicioso viajante fez a sua mais importante cobrança.
Mal botou os pés na fazenda, disse à Esmeralda que o recebeu para que chamasse o pai naquele momento. Que era chegada a hora de falarem sobre o casamento.
O velho Inácio que não esperava por aquela situação. Disse que falaria com o pretendente da filha em outra ocasião. Alegando estar bastante ocupado não foi visto naquela semana, na fazenda ou no povoado.
Ao retirar-se aparentando muita sinceridade Virgílio disse a Esmeralda. Confio em seu pai. É um homem de verdade!
Disse isto para que a filha contasse ao pai. Que sempre disse que um homem que falta com a verdade, a si mesmo trai!
Mesmo assim Inácio não amoleceu e escondeu-se de Virgílio enquanto deu!
Até que um dia perguntou à filha:- quer se casar mesmo com este falastrão? Ela respondeu:- foi o senhor quem prometeu. Como posso dizer que não?
Resignado Inácio compreendeu que o que está feito não está por fazer. Decidiu que após a próxima colheita o casamento iria acontecer.
Virgílio, então com seus vinte anos não cabia em si de contentamento. Dizia-se o homem mais feliz acabara ali sua vida de estradeiro. Enfim criaria raiz!
Com suas economias comprou um pequeno sitio a alguns quilômetros da cidade de Itatiba. Cidade de da qual aprendera a gostar. E aonde, futuramente iria com sua querida Esmeralda passear!
Enfim veio a colheita mais esperada, por Virgílio que nada havia plantado. Além de um grande amor com que sempre havia sonhado.
No dia do casamento como para que se consolar. Inácio disse mais uma frase infeliz daquelas que se dizem sem pensar: - Está desencalhada; uma boca a menos para alimentar!
Acredito que com o passar dos anos Inácio não mais prestava atenção no que dizia. Pois Esmeralda não consumia nem a décima parte do que com seus braços fortes na lavoura produzia. Ao invés de dizer uma boca a menos para alimentar. Deveria dizer:- dois braços a menos para trabalhar!

03
 
Em um aconchegante ranchinho à beira do lago, Virgílio e Esmeralda de Castro construíram seu lar.
Viviam do que colhiam e das quinquilharias que Virgílio continuava a negociar!
Se não viviam na fartura. Tampouco alguma coisa lhes faltou. A vida não lhes pareceu tão dura!
Porém havia um fato que Esmeralda nunca conseguiu explicar. Por que o pai, mãe irmãs nunca a vinham visitar?
Este fato deixava o bom negro Virgílio um tanto quanto revoltado.
Triste dizia à mulher: - quem não visita não quer ser visitado.
É um dos muitos mistérios que a vida tem desde o casamento ninguém visitou ninguém!
Até o dia em que seu Inácio mandou um recado. Queria se encontrar com a filha na cidade. Frisou que ela deveria ir. Era algo de extrema prioridade.
Virgílio ainda brincou: - Leve a bolsa de couro de carneiro. Quem sabe, o generoso velho vai lhe dar muito dinheiro!
Não deu dinheiro nenhum. Nem aquele encontro trouxe beneficio algum. O pai queria apenas da filha se despedir. Havia vendido a fazenda e iria partir.
Estava sentindo-se velho demais para a lavoura. Queria mostrar as filhas, que a vida não era apenas plantar e colher, milho feijão e cenoura!
Com o dinheiro da venda da fazenda conseguiu, um bom sobrado na capital comprar. Com o que havia restado, daria para se arranjar!
Foi aquela a última vez que Esmeralda viu o pai. Já estava acostuma da sem ele, a mãe e as irmãs. Por isso não proferiu um simples ai.
Quem é do campo não se acostuma na cidade. Esta é uma verdade que até hoje prevalece.
Quem não é feliz onde foi criado. Sofre muito em um lugar que não conhece!
Com o fim do dinheiro seu Inácio foi trabalhar na construção civil. As filhas tiveram que trabalhar na área industrial. Foi quando perceberam que vender a fazenda foi um erro fatal!
A alimentação da cidade foi para seu Inácio o maior veneno
A densa e fria garoa foi para ele algo letal.
Pois naquele tempo, a tuberculose ainda era uma doença fatal.
E foi assim naquele lindo sobrado. Quando mal enterravam alguém que estava partindo. O sintoma da cruel moléstia, outro já estava sentindo.
Dos onze que partiram. Os onze viraram história. Para Esmeralda. Pai mãe e irmãs era apenas memória.

04
 
Volta e meia o bom Virgilio dizia a mulher querida:- Uma promessa em tom de brincadeira fez diferença entre a morte e a vida!
Tudo isto parece um drama, mas quando a arte não imita a vida; a vida imita a arte.
Desta historia que não acabou e nunca acabará muita gente ainda faz parte.
Pois Esmeralda e Virgílio tiveram oito filhos, sendo três homens e quatro mulheres.
Todos se casaram e tiveram filhos e filhas saudáveis.
Por isso é que digo, que esta história nunca irá se acabar.
Pois cada personagem. Um novo capítulo irá criar.
Virgílio de Castro. Que nunca se deu por vencido, nem era regido por nenhuma lua.
Que sabia o que queria, e sempre lutava para atingir sua meta. Se a biografia dele se parece com a sua?
Ou se tem pretensão de ser poeta?
Consulte sua árvore genealógica.
Às vezes o que nos parece absurdo tem alguma lógica!

Lemos quarta-feira, 23 de abril de 2003. 20h03min.









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